Por: Daniel Spinelli
(Consultor de Desenvolvimento Humano da PS Treinamento Empresarial)
Há décadas, o comportamento humano vem sendo estudado, entre outros aspectos, com o objetivo de identificar a relação existente entre o modo como pensamos e agimos e os consequentes resultados que obtemos na vida. Diversos autores vêm apresentando suas abordagens para esse tema, o qual certamente merece uma atenção cuidadosa justamente por proporcionar interessantes pistas em relação ao controle que temos sobre nossas conquistas e insucessos. Isso lhe interessa?
Pois é, para mim interessou bastante. Um bom exemplo para abrirmos o tema é o daquela pessoa que sempre joga na loteria e deposita nessa probabilidade – que, diga-se de passagem, é um tanto quanto baixa – suas principais chances de realização de sonhos. Conhece alguém assim? Infelizmente há um enorme número de pessoas que têm a loteria como seu plano A, e muitas vezes o único plano, de projeto financeiro.
Esse exemplo nos leva ao que considero o cerne da questão: se acreditamos que os resultados que obtemos são determinados por fatores externos (como sorte ou destino) ou se são determinados por fatores internos (como nossas próprias habilidades).
Introdução ao Conceito de Autorresponsabilidade
Julian B. Rotter, falecido em 2014, ainda é um dos autores mais influentes desse tema, tendo nos deixado uma série de estudos iniciados ainda na década de 50. Rotter propôs um interessante conceito que facilita esse entendimento, batizado por ele de “Expectativas Generalizadas do Controle Interno e Externo sobre o Reforço”, mais conhecida como autorresponsabilidade, ou Lócus de Controle. Tal conceito, cujo significado é Local de Controle, pode ser resumido por meio das possibilidades de “onde” acreditamos estar o controle sobre nossos resultados:
Lócus de Controle Interno: Quando acreditamos que os resultados e recompensas que obtemos, sejam eles satisfatórios ou não, são a consequência de nossos próprios comportamentos, atributos e decisões.
Lócus de Controle Externo: Quando acreditamos que os resultados e recompensas que obtemos são a consequência da ocorrência de fatores fora do nosso controle e que nada ou pouco poderíamos ter feito para que fosse diferente.
Empoderamento
Obviamente, utilizamos diferentes Lócus de Controle conforme a característica da situação com a qual nos deparamos. Mas, o mais importante desse conceito é que quanto mais no Lócus Interno nos posicionamos, maior responsabilidade assumimos sobre nossos resultados. Se nos sentimos mais responsáveis sobre um tema, automaticamente temos mais controle sobre isso e, se temos mais controle, temos mais poder. Nesse ponto você já deve ter concluído que o Lócus Interno é a mais sã das opções. No entanto, pesquisas aplicadas mostram que a grande maioria das pessoas atua predominantemente no Lócus Externo, tolhendo significativamente seu controle sobre os próprios resultados.
Em 1959, Melvin Seeman, nos seus estudos sobre os significados da alienação, relacionou pela primeira vez os temas empoderamento e auto responsabilidade.
Outro dado importante em favor da relação entre empoderamento e o uso do Lócus de Controle Interno vem do autor Wayne Stewart Jr. (1996) que lista o Lócus de Controle como uma das quatro características mais importantes em empreendedores de sucesso, definindo o Lócus Interno como uma “forte crença de que ele/ela controla o seu próprio destino”.
Auto percepção
Para sermos mais pragmáticos e com o objetivo de ajudá-lo(a) a identificar oportunidades de aplicação desse conceito na sua vida, convidamos você a fazer uma reflexão calma e sincera para perceber em qual Lócus de Controle você tem atuado mais no seu dia a dia:
- Quanto você pode estar atribuindo ao seu cônjuge a responsabilidade por problemas no relacionamento
- Quanto você pode estar colocando a responsabilidade por suas finanças em questões macroeconômicas, nos altos preços dos bens de consumo ou em pessoas da sua família que têm maus hábitos financeiros?
- Quanto da responsabilidade por problemas de relacionamento com chefe, colegas ou subordinados você pode estar atribuindo aos traços de personalidade dos outros?
E quanto às questões de falhas de desempenho relacionadas a processo, qualidade, prazo ou satisfação do cliente, você sabe apontar onde está o problema? Consegue enxergar o quanto você pode fazer para solucioná-lo?
Considerando que uma das maiores contribuições que o conceito de autorresponsabilidade já deu foi para a área da saúde, pergunte-se (para checar suas crenças) o que tem causado a você doenças como problemas gástricos ou respiratórios, excesso de peso, pressão alta, dores de cabeça ou gripes frequentes?
O ponto-chave é: enquanto o problema estiver fora de você, a solução também estará. E se seu resultado não depende de você, a quem você está atribuindo o poder de controlar os resultados da sua vida?
Ponto de Partida
Ao ter contato com esse conceito pela primeira vez, eu achava que atuava com a autorresponsabilidade para a maioria das coisas na minha vida. Creio que não fui profundo ou sincero o suficiente quando me analisei com perguntas como as que coloquei acima. À medida que fui me observando, graças a ter entendido esse conceito, pude perceber que na verdade meu Lócus predominante era o Externo e que eu precisava rever algumas crenças e comportamentos se quisesse aumentar meu poder de realização e ficar menos à deriva lamentando problemas.
Vale a pena perceber o porquê da maioria das pessoas ter uma forte tendência de ficar mais no modus operandi do Lócus de Controle Externo. Há um benefício psicológico quando não temos responsabilidade sobre os resultados. Diminuímos – muitas vezes anulamos – nossas chances de sucesso, mas, em contrapartida, nos protegemos das frustrações ou dos gastos energéticos das mudanças que seriam necessárias para obtermos resultados diferentes.
Ou seja, o Lócus Externo é uma forma inconsciente que aprendemos desde a nossa infância, por meio de experiências que ao longo da vida nos levaram a acreditar que, se o problema não é meu, as coisas ficam mais leves para mim. Uma ótima receita para ficarmos “quentinhos” na nossa zona de conforto.
O problema é que nosso inconsciente começa a funcionar sem pedir nossa “aprovação” a respeito de qual Lócus utilizar em cada caso. Isso, portanto, vale para as duas possibilidades: quanto mais utilizamos um Lócus de Controle (Externo ou Interno), mais solidificamos nossa estrutura de crenças e consequentes comportamentos que implicam diretamente nas expectativas que temos sobre os resultados dos nossos atos.
Você acha que isso está relacionado com motivação? Feather (1959), por meio dos seus estudos, concluiu que sim quando afirmou que “a motivação é reduzida em tarefas baseadas em sorte quando comparadas a tarefas baseadas em habilidade”. Outro pesquisador do tema, Albert Shapero (1975), baseado em pesquisas realizadas com empresários e estudantes de administração texanos e empresários italianos, identificou que a diferença marcante encontrada em empreendedores de sucesso é seu alto índice de autorresponsabilidade.
Aprendizagem
Wyckoff e Sidowsky (1955) concluíram em seus estudos que o comportamento das pessoas muda significativamente quando elas percebem que uma determinada situação não é apenas uma questão de sorte.
Diferenças consistentes são encontradas nas pessoas à medida que elas tendem a atribuir maior controle pessoal aos seus próprios resultados. Pesquisas mostram outra diferença que surgiu entre pessoas orientadas pelo Lócus Externo e Interno: a facilidade de identificar se estão em uma circunstância cujos resultados dependem da sorte ou do acaso. Quando usam o Lócus Interno, as pessoas identificam rapidamente qual o nível de controle que têm sobre o desfecho de uma situação. Com isso, gastam menos energia com a mesma, pois buscam rapidamente desenvolver uma estratégia para potencializar seus resultados; enquanto que no Lócus Externo as pessoas tendem a ficar muito mais tempo fazendo tentativas em algo que está absolutamente fora do seu controle.
Isso nos leva a deduzir também que as pessoas de Lócus Interno tendem a aprender mais rápido, uma vez que trabalham com foco no resultado, desenvolvendo constantes estratégias para conseguir o desfecho desejado.
Mudança
Com base na minha própria experiência, conhecer esse conceito e jogar essa luz na sua forma de funcionar deve gerar autodescobertas bastante interessantes. Esse exercício poderá ajudá-lo(a) a entender aspectos fundamentais que podem estar influenciando em questões do dia a dia que o(a) preocupam ou roubam sua energia.
Trenqual (1981) trouxe uma comparação entre as condutas de realização exitosa (Lócus Interno) e não exitosa (Lócus Externo), citadas no quadro abaixo. É interessante lembrar que a conduta diz respeito ao modo de agir do indivíduo, independentemente do resultado alcançado por ele.
Quadro sobre autorresponsabilidade e efeitos na conduta, adaptado de Morales (2004, p.46).
Começando a Aplicar
Para finalizar, cito uma sugestão prática para começar a aplicar esse conceito: Na sua próxima reunião de trabalho, quando você perceber que um tema chega num impasse e que se começa a responsabilizar fatores externos, pessoas não presentes ou outras áreas da empresa, lance questões como: “Mas o que nós podemos fazer? Quais as ações e decisões estão na nossa mão para solucionarmos esse assunto?”. Com essas perguntas você estará migrando para o Lócus de Controle Interno e convidando o grupo a fazer o mesmo.
Espero, com esse texto, ter contribuído para seu desenvolvimento pessoal. Tenho boas evidências para afirmar que o nosso processo de empoderamento se reforça toda vez que buscamos aplicar autorresponsabilidade em nossas vidas.
REFERÊNCIAS
Aproveite os materiais de referência para aprofundar seus estudos:
KIGGUNDO, N. Managing Globalization in Developing Countries and Transition Economies. Greenwood Publishing Group, 2002.
MORALES, A. Relação entre Competências e Tipos Psicológicos Junguianos nos Empreendedores. Florianópolis, 2004. Tese (Doutorado) – Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Produção, UFSC.
ROTTER, J. (1954, 1955, 1960, 1961 e 1965).
ROTTER, J. Generalized Expectancies for Internal Versus External Control of Reinforcement. Monografia de 1966.
SEEMAN, M. On the meaning of alienation. American Sociological Review, 1959.
SHAPERO, A. The Displaced, Uncomfortable Entrepreneur. Psychology Today, November 1975.
STEWART JR, W . Psicological Correlates of Entrepreneurship. Garland, 1996.
WYCKOFF, B. ; SIDOWSKY, G. Probability discrimination in a motor task. Journal of Experimental Psychology, 1955.